Gostava de ainda te ver a saltar, esgravatar e até mesmo de te ver a atirar coisas ao ar.
Eras tão feliz a ser um coelho malandro pois também gostavas de roer o que não devias só para ficar com a decoração ao teu gosto e refilavas sempre que achavas que a organização não te fazia sentido ou por outro motivo que te convinha.
A dada altura só nos víamos aos fins-de-semanas porque fui viver para longe com o meu namorado que tem alergias. Durante este tempo apercebi-me que as pessoas que me deveriam conhecer bem, afinal não me conheciam porque para elas eu quero animais mas não a responsabilidade. Esta conclusão foi tirada apenas com a informação de que não vivo com os meu pais e tu vivias. Não houve admiração nem perguntas, apenas a conclusão precoce.
Fiquei desapontada porque ao fim de anos admitirem tal coisa é como se tudo o que vivi com cada uma dessas pessoas tivesse sido falso.
Desde pequena que tratei dos meus animais independentemente da espécie e contigo, mesmo que eu não te quisesse, seria obrigada a cuidar de ti porque ninguém se aproximava.
Até que chegou a pandemia que proibia-me de te visitar e cerca de um ano depois sentiste a minha falta porque sendo refilão não deixavas mais ninguém tocar-te e isso fazia as pessoas manterem a distância e como qualquer leporídeo, precisavas de cuidados e atenção que até os meus pais não te davam, em consequência, sentiste-te isolado.
Com a descrição que me deram, assim que possível, fui ter contigo a pensar que teria que fazer preparativos... e afinal recuperaste (dentro dos possíveis) em menos de uma semana.
Sim, depressão também acontece em animais!
Apesar das alergias o meu namorado (sem hesitar e sem questionar quem cuidaria de ti) teve a iniciativa de sacrificar o seu bem-estar e conforto, na sua própria casa, para teres uma divisão só para ti. Só tive que manter cuidados extra para que o feno, pólen e pó não se espalhasse para fora do quarto incluindo escovar-te mais vezes.
O "quarto de hospedes" passou a ser o "quarto do Jung" e como consegui manter-vos nas divisões comuns sem graves/intensos sintomas de alergia, depressa tiveste liberdade para andares há vontade pela casa e apesar de refilares e dares pequenas mordidelas ao dono da casa, ele dava-te atenção na mesma. Estavas habituado a que ralhar e morder mandava as pessoas embora imediatamente. Mas vocês lá se conquistaram e tornaram-se muito amigos.
Mesmo assim, não era assim tão amigo que merecesse a tua protecção durante as idas à casa-de-banho. Já a protecção durante o tempo ao computador passou a ser dividida.
Após a tua ida, ambos passámos muito meses a olhar para o chão antes de nos levantar-mos para não te pisar. Gostávamos de nos sentirmos protegidos por um guarda-costas que levava o seu trabalho a sério!
Já eras idoso e ainda não conheci nenhum leporídeo com 10 anos, por isso nós pedimos-te para viveres até termos a nossa casa e assim o fizeste. Levaste o pedido para literal! Nem esperas-te pelas mudanças! Viste, aprovaste sem tentativas de a partires com as tuas patinhas felpudas e achaste que o teu compromisso estava cumprido.
Lamento que não tenhas aproveitado o vasto vaso que te arranjámos como fazias nos vasos da varanda.
Infelizmente, o teu problema de saúde que era crónico e não visível tornou-se complexo. Como é que uma espécie animal tão pequena e sensível para doenças consegue ser tão forte na tolerância à dor?
Nos últimos tempos já davas sinais da idade e por isso dormias no nosso quarto ou pela casa.
No nosso último fim-de-semana estávamos de volta a casa dos meus pais para visita e dormiste no meu quarto. Nunca te ouvi queixar, nem de dia nem de noite, mas notei que estavas apático e achei que fosse apenas do calor mas houve um momento que olhei para ti e reconheci a expressão e a cor das pálpebras.
Reconheci, não só como enfermeira veterinária mas também pela experiência de outros animais que tive.
Também lamento que nesta localidade não hajam cuidados como onde vivemos e que o serviço para animais exóticos seja bastante limitado. Sendo fim-de-semana, contactei alguém que eu considerava bem conhecida e próxima e para minha surpresa o contacto telefónico já não era directo para a pessoa "conhecida" mas sim do espaço. Quem lá estava (nem vi quem era) recusou-se a receber-te assim que na sala de espera viram que afinal eras um leporídeo (pormenor que falhou a ambos, no espaço porque não é comum e eu porque achei que tivessem as mesmas qualificações ou que chamassem a pessoa qualificada e "conhecida") e só podiam fazer marcação para a pessoa "conhecida" para segunda-feira de tarde, apesar de eu ter demonstrado que havia proximidade com essa pessoa e de ter mencionado o motivo de precisar que fosses visto. Passaste calor além da dor e desconforto em vão e isso custou-nos ver.
Felizmente temos facilidade de transporte e decidimos contactar a clínica onde foste tratado nas últimas vezes mas com estas voltas e sem serviço 24h em ambas localidades, passaste um fim-de-semana muito difícil. Para minimizar o stress, voltámos mais cedo para casa e como é mais fresco ficaste menos apático, por outro lado, na última noite queixaste-te de dor pois ainda continuavas em hipóxia.
Mesmo assim tenho a agradecer à Clínica Veterinária de Tires (All Pets) que te receberam na primeira hora da manhã de segunda-feira, que me incluíram em todo o processo incluindo entrar contigo para consulta mesmo quando era só observação e sempre explicaram tudo o que era necessário e também agradeço à PetMemorial, todos fizeram-me sentir que estava com um membro de família e não com apenas um animal. Foi como se soubessem e compreendessem a minha dor. Respeitaram o meu luto.
Mesmo assim tenho a agradecer à Clínica Veterinária de Tires (All Pets) que te receberam na primeira hora da manhã de segunda-feira, que me incluíram em todo o processo incluindo entrar contigo para consulta mesmo quando era só observação e sempre explicaram tudo o que era necessário e também agradeço à PetMemorial, todos fizeram-me sentir que estava com um membro de família e não com apenas um animal. Foi como se soubessem e compreendessem a minha dor. Respeitaram o meu luto.
Compreendo que nem todos tenhamos a mesma visão de vida mas o luto por ti em comparação com outros, está a ser menos penoso. Mesmo assim demorei este tempo todo para escrever aqui e ainda assim com lágrimas nos cantos dos olhos. Mas tinha de ser, ainda faço petsitting e não queria avançar sem dedicar uma página a ti. A partir de agora poderei partilhar as histórias de safadinhos como tu eras.
Houve coisas em ti que nunca consegui gravar mas nunca irei esquecer, como o pom-pom a abanar de alegria nem do teu som de quando ficavas feliz enquanto davas voltas aos meus pés e nem de quando querias dar graxa fazendo peditório de "ração" com o teu olhar querido.
Peço-te que aí dês oportunidade para te conhecerem e tu aos outros animais, não sejas refilão! Já não tens que ser um cão de guarda nem decorador! Agora podes saltar à vontade fazendo aquelas piruetas como fazias aqui.
0 comentários:
Enviar um comentário